sexta-feira, setembro 23, 2005

Antídoto

Como o sangue, corremos dentro dos corpos no momento em que abismos os puxam e devoram. Atravessamos cada ramo das árvores interiores que crescem do peito e se estendem pelos braços, pelas pernas, pelos olhares. As raízes agarram-se ao coração e nós cobrimos cada dedo fino dessas raízes que se fecham e apertam e esmagam essa pedra de fogo. Como sangue, somos lágrimas. Como sangue, existimos dentro dos gestos. As palavras são, tantas vezes, feitas daquilo que significamos. E somos o vento, os caminhos do vento sobre os rostos. O vento dentro da escuridão como o único objecto que pode ser tocado. Debaixo da pele, envolvemos as memórias, as ideias, a esperança e o desencanto.

Antídoto, José Luís Peixoto

o tempo, subitamente solto

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

José Luís Peixoto

quinta-feira, setembro 22, 2005

Quasi

Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além
Para atingir, faltou-me um golpe de asa ...
Se ao menos eu permanecesse aquém ...

Assombro ou paz ? Em vão ... Tudo esvaído
Num grande mar enganador d´espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor ! - quasi vivido ...


Quasi o amor, quase o triunfo e a chama,
Quasi o princípio e o fim - quasi a expansão ...
Mas na minh´alma tudo se derrama ...
Entanto nada foi só ilusão !

De tudo houve um começo ... e tudo errou ...
- Ai a dor de ser-quasi, dor sem fim ...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou ...

Momentos de alma que desbaratei ...
Templos aonde nunca pus um altar ...
Rios que perdi sem os levar ao mar ...
Ânsias que foram mas que não fixei ...

Se me vagueio, encontro só indícios ...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos d' heroi, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios ...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí ...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi ...

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe d´asa ...
Se ao menos eu permanecesse aquém ...

Paris 1913 - maio 13 - Mário de Sá-Carneiro

segunda-feira, setembro 05, 2005

Olha para mim!

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de Gonçalo Borges Dias

sexta-feira, setembro 02, 2005

Olha para mim!

Adquiri este olhar perscrutante
no momento em que o meu simples olhar não te via.
Canso-me de olhar;
Canso-te a pele sem te tocar.

De volta a mim...

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Les Arts Sauts - "A trapezista voadora" de João Vinhas Reis

Solidão

Estendo os braços e deixo-me cair sobre eles.
Embalo-me nesta solidão que está de volta
e por estar de volta é mais dura.

Além-tédio

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Armindo Dias

Este mar negro

Este mar negro que se estende de meus pés até ao horizonte
segue-me os passos,
caminho e não o ultrapasso.
Não o atravesso, atravessa-se ele em mim...
Este mar negro sou eu e porque sou eu este mar negro,
nunca o sol nasceu em mim.

As palavras que nunca te direi

As palavras que nunca te direi
ficaram lá atrás
na nossa história.
Entre os rios de palavras que debitava
e que falavam de tudo, de todas as coisas
e não falavam de nada.
Perdi-me nos meus monólogos, distracções de mim...
E de longe observei,
mergulhada entre os ruídos que vertiam da minha boca
sob a forma de palavras inúteis,
o teu ensurdecimento.

"O som do Silêncio"

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Armindo Dias

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